Volta e meia ouve-se ou lê-se nos jornais ou mídias de todos os tipos, que mesmo em tempos de

dificuldades, gestores públicos gastam recursos com festas em seus municípios, e requentam o

velho jargão “pão e circo‘’, expressão utilizada para se associar ao entendimento de enganar a

população escondendo suas fragilidades, oferecendo-lhe alguma coisa ainda que seja passageira.

No entanto, cabe assinalar que, a despeito da forte estiagem que assola, principalmente, o Estado

da Bahia, e as ações de infraestrutura que asseguram sustentabilidade nunca foram realizadas, a

realização de festejos tradicionais não podem ser consideradas como um despautério, uma

irresponsabilidade, ou uma insensibilidade por parte dos gestores com a sua população que padece

com a falta d´água, e às vezes por conta disso, com a falta de comida, de sapato, de roupa, de

dente, de cinema, de teatro, etc.

Diversas são as cidades do interior nordestino que carecem de muita infraestrutura básica e social.

Interior que concentra a maior parte da população em todos os estados do Nordeste, como a

Bahia, por exemplo, que dos mais de 14 milhões de habitantes, menos de 3 milhões estão na

capital ou região metropolitana, o que quer dizer que mais de 10 milhões, portanto, estão no

interior. Assim em diversas cidades baianas as festas de São João, tornaram-se ao longo das últimas

décadas, os principais eventos desses municípios, que, ao passo que oferecem as suas

comunidades uma rara oportunidade de diversão e entretenimento, movimentam as suas

debilitadas e desassistidas economias, gerando, ao menos momentaneamente, empregos e renda.

Da mesma forma a interiorização das partidas de futebol do campeonato estadual em que alguns

municípios oferecem o “mando de campo” para equipes da capital ou mesmo de outras cidades,

como Feira de Santana, também contribuem positivamente para melhoria da situação dessas

cidades. Isso tem acontecido na Bahia, como em Senhor do Bonfim e Serrinha. Em algumas

cidades, é verdade, os festejos juninos tornaram-se uma oportunidade de políticos desonestos se

valerem do momento para ludibriarem eleitores e assegurarem mandatos fracassados, o “pão e

circo”. A essas cabe os olhares mais críticos e apurados da opinião pública. Isso pode também

acontecer com o futebol, caso não seja bem aproveitado, como interessante estratégia de

aumento de visibilidade do município e atração de possíveis investimentos.

Dessa forma, em relação aos festejos juninos, cabe ressaltar que, em municípios aonde a festa de

São João, ou de Santo Antonio, ou de São Pedro, é muito tradicional, não se pode fazer alusão de

que, em virtude da seca, não possam ser realizados, dado que são eles que proporcionam o melhor

momento econômico da cidade, pois atraem visitantes que gastam recursos, e investimentos de

empresários que aproveitam o movimento da festa. A seca é uma realidade inconteste, e que vai se

repetir mais cedo ou mais tarde. Se a análise for puramente quanto à origem da tradição, que

remete às comemorações das colheitas, nenhum dos municípios cujas festas são as mais badaladas

e procuradas, são tradicionais produtores de grãos, na verdade vivem do comércio e da prestação

de serviços. Suas populações urbanas são maiores que as rurais. Tem “festas de camisa” realizadas

em espaços próprios previamente organizadas e comercializadas, mas que dependem diretamente

da realização da festa na cidade, que é quem oferece o “clima” de São João.

Como efeito de comparação, tome-se o carnaval de Salvador que andou ameaçado este ano. Com a

greve da polícia, a cidade do Salvador viveu dias de terror e pânico, mas não arredou pé de realizar

o seu carnaval, que todos sabem um dos mais frequentados do Brasil, o que, caso não acontecesse

geraria prejuízos incalculáveis para diversos setores. Da mesma forma os municípios de Campina

Grande e Caruaru, localizados em pleno semiárido e que também estão sofrendo com a seca, nem

sequer cogitam em reduzir os dias de festa que dirá cancelá-la, pois sabem da sua importância para

a vida econômica, social e cultural da sua comunidade.

Voltando ao futebol, tome-se o exemplo de Salgueiro, em pleno quase árido sertão pernambucano,

um município que vem demonstrando o quanto investimentos em infraestrutura podem

transformar a sua realidade e de todo o seu entorno. De extremamente carente e dependente de

recursos públicos, Salgueiro vem se transformando numa nova cidade. Com as obras de Ferrovia

Transnordestina e da transposição do rio São Francisco – investimentos bilionários do governo

federal – o município, de menos de 60 mil habitantes, aonde essas obras se encontram, tem atraído

diversos investimentos e muitas ações em vários segmentos. O comércio está muito mais

diversificado, com a chegada de empresas de nome nacional, como Lojas Americanas e franquias

diversas, a construção civil fortalecida, com grupos locais tornando-se empresas de atuação

estadual, assim como o segmento da arte, cultura e entretenimento que também vem se

expandindo, com o florescimento de bandas locais como Limão com Mel, numa cidade cujo São

João não é tão tradicional assim, e para coroar, o time local, o Salgueiro, chegou a ser campeão da

Série C do campeonato brasileiro, vindo a participar da Série B no ano passado, e atualmente

estando nas finais do campeonato estadual. Esses acontecimentos têm dado uma enorme

visibilidade ao município que continuadamente tem recebido investimentos públicos e privados, e

melhorado a qualidade de vida da sua população.

É sabido que se trata aqui de temas bastante polêmicos. Não se pode relegar o sofrimento dos que

estão na zona rural, do padecimento dos rebanhos, da perda da produção agrícola, do crescimento

do empobrecimento, da migração que voltará a acontecer com força. Entretanto toda essa

situação é previsível e imprudentemente não combatida. Não se pode, no entanto, conceber que a

opinião pública seja manipulada de forma tosca e mesquinha, por aqueles que não sabem

diferenciar um pé de cacau de um pé de mandacaru. Dos que nunca foram ao interior, nem no São

João. Dos que só conhecem o Nordeste de Porto de Galinhas ou de Porto Seguro. Dos que não

abdicam de passar o carnaval num camarote com ar condicionado em plena Barra-Ondina, muito

embora a periferia da capital tenha taxas altíssimas de homicídios, ou careça de saneamento e

sempre tenha vítimas com as chuvas.

Para o caso específico de Senhor do Bonfim, já passou da hora da cidade apresentar ao Brasil, uma

grande banda ou um grande forrozeiro que promova o nome do município. Que enalteça os

festejos juninos na cidade e que a ajude a transformar-se em um verdadeiro pólo turístico junino

baiano. Por outro lado, o futebol pode dar uma importante ajuda. Não bastasse a grande paixão do

bonfinense pelo esporte, a cidade pode também tornar-se definitivamente a sede de uma dessas

equipes, enxertando-a com jogadores locais, até galgar títulos e visibilidade estadual e nacional. É

bem provável que a equipe do Feirense, que atualmente disputa as finais do campeonato estadual,

participará ano que vem da Copa do Nordeste e da Série C do Brasileiro, competições de grande

visibilidade. Resta saber se Bonfim continuará sendo interessante para esta equipe.

Não se trata pois de “pão e circo”. É preciso analisar melhor antes de bradar aos ventos, seja

aproveitando-se do momento político-eleitoral, seja para fazer um falso altruísmo, exercendo um

bom-mocismo pra inglês ver. Cabe a sociedade, portanto, esclarecer-se cada vez mais para decidir

pelos seus destinos.

MÁRCIO FERREIRA ARÁUJO SILVA

ECONOMISTA

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